Entrevista com Escritores do Terror Nacional: Vitor Abdala e César Bravo.
A equipe do THS novamente realizou mais uma entrevista dupla com incríveis escritores da Literatura de Terror Brasileira, Vitor Abdala e César Bravo.
Vitor Abdala
Nasceu há 36 anos no Rio de Janeiro, onde vive até hoje. É jornalista
formado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), com
pós-graduação em Políticas de Justiça Criminal e Segurança Pública pela
Universidade Federal Fluminense (UFF). Trabalha desde 2004 na Agência
Brasil, onde atua como repórter e chefe de reportagem. Há dois anos,
começou a se dedicar à escrita criativa. Em 2016, lançou duas coletâneas
de contos independentes: Tânatos e Macabra Mente. Também foi convidado a
participar de antologias internacionais, como a premiada Horror Library
(Cutting Block Books), dos EUA, ele é o único membro brasileiro da
Horror Writers Association.
1 - Como foi o seu primeiro contato com a literatura? E por que terror?
R: Pouca gente se lembra do primeiro contato com a
literatura, na verdade, porque desde cedo, na escola, nos colocam em
contato com os livros. Nem me recordo de quando comecei a ser escritor.
Na verdade, desde que comecei a escrever, gosto de criar histórias. Na
minha infância e pré-adolescência, eu escrevia pequenas histórias e
criei um zine amador, onde eu desancava minha própria família e amigos.
Quando tinha mais ou menos 15 ou 16 anos, tive a ideia de começar a
criar histórias mais elaboradas. Por volta dessa época, escrevi uma peça
teatral, que foi encenada pela companhia teatral da minha escola. Aos
19, imprimi um livro que vendi para amigos e família. Depois, quando
comecei a estudar jornalismo, praticamente abandonei a escrita criativa,
focando apenas na narrativa jornalística. Há dois anos, retomei esse
projeto de escrever ficção. Sobre o terror, é um dos gêneros que mais me
agradam e mais me sinto à vontade para escrever. Não sei explicar o
porquê, talvez porque o terror, assim como a ação, provoca uma liberação
de adrenalina. Mas, sinceramente, não há uma razão.
2 - Por que acha que as pessoas deveriam ler o seu livro? Qual o diferencial?
R: Na verdade, sou um péssimo vendedor. Não gosto de dizer
para as pessoas que meu livro é bom ou ruim, simplesmente porque os
gostos literários são uma coisa muito pessoal. É muito difícil dizer
para alguém: “olha, leia que você não vai se arrepender. E se a pessoa
se arrepender?” (risos). Não sei se tenho um diferencial, o que eu busco
é fazer uma ficção fantástica muito calcada na realidade, por mais
paradoxal que isso possa soar. Busco criar situações absurdas em
situações absolutamente triviais e tento criar premissas minimamente
originais.
3 - Nos dias de hoje, principalmente no cenário do terror/horror, publicar um livro não é tarefa fácil. O mercado em expansão é o estrangeiro e não há muito espaço para produções nacionais. Qual a maior dificuldade que você encontra ou encontrou nessa questão? E qual dica você da a quem está começando a escrever.
R: Na verdade, publicar um livro é muito fácil. Basta você
escrever. Há várias opções de publicações gratuitas, independentes, em
co-parceria com editoras (em que você banca parte do custo) e também
editoras pequenas abertas a novos autores. E o mercado de terror
nacional é bastante prolífico. Há muitos títulos e autores disponíveis, a
maioria independentes. O mais difícil, na verdade, é convencer o leitor
de que vale a pena investir tempo e dinheiro (por mínimos que sejam) na
leitura da sua obra, quando há tantas opções disponíveis no mercado. E
costumo dizer o seguinte: no Brasil, lê-se pouco. Terror, lê-se menos
ainda. E quando a pessoa lê terror, prefere o autor estrangeiro. E
quando a pessoa está disposta a ler um autor nacional, em geral escolhe
aquele publicado por uma grande editora, porque esta consegue divulgar
melhor seu autor nas redes sociais e nas livrarias. Então, sobra pouco,
muito pouco espaço para o autor de terror nacional. Mas há esse espaço,
ainda que seja pequeno. O principal conselho que dou é: se você nunca
trabalhou com escrita antes, não queira publicar o primeiro texto que
você escreveu. Você pode se envergonhar daquilo no futuro (a não ser que
você seja um gênio da literatura). Continue escrevendo. Mostre para
outras pessoas e peça críticas sinceras. Quando você começar a ter
vergonha do que escreveu no passado, é sinal de que você está pronto
para publicar os seus textos. E olha que maravilha: aqueles textos que
te envergonham estão ali guardados. Ninguém os leu e estão prontos para
serem retrabalhados e publicados.
4 - Seus personagens são bem construídos. Você se identifica com algum deles? Se sim, em quais aspectos?
R: Não me identifico muito com nenhum personagem em especial
e nem quero porque, em geral, eles são se dão mal nas histórias
(risos).
5 - O que mais atrai você quando procura ler algum livro?
R: É difícil dizer isso, porque sou um leitor muito
eclético, mas minhas leituras preferidas são livros-reportagem e livros
sobre episódios históricos. São esses livros que me trazem mais
satisfação.
6 - Sobre o seu novo livro, Narrativas do Medo, nos conte um pouco sobre ele, criação, sinopse...
R: Narrativas do Medo, na verdade, não é um livro meu. É uma
antologia com 18 autores e sou apenas um deles. O livro reúne alguns
dos principais nomes do horror brasileiro, como Cesar Bravo, Alexandre
Callari, Marcus Barcelos, Rô Mierling, Marcos DeBrito e Petter
Baiestorf. Apesar de ter concebido a ideia, ter convidado as pessoas e
bolado o nome (que aliás, por acaso, é o mesmo nome de um ensaio sobre
representação da violência na mídia), eu não me sinto o dono do projeto.
Nós decidimos a maior parte das coisas em conjunto. É claro que, quando
a ideia é inviável ou não há um consenso, acabo usando minha
prerrogativa de organizador para definir as coisas. Mas não é um livro
meu. Dito isso, o livro reunirá histórias de terror dos mais diversos
temas e acho que será um marco na cena literária de horror brasileiro.
Se tudo der certo, pretendo organizar novos volumes com autores que
admiro muito, mas que não entraram nesse primeiro livro. A ideia de
fazer o livro surgiu no início do ano. Eu escrevi um conto e não vi
nenhuma antologia aberta para onde pudesse submetê-lo. Então pensei, por
que não fazer minha própria antologia? chamei algumas pessoas do meu
círculo de amigos do Facebook e fiz o seguinte convite: “Topa participar
de uma antologia de terror livre, com um conto de até 3 mil palavras?
Não tenho nada a oferecer financeiramente”? Curiosamente, quase todos
eles aceitaram prontamente. Decidi publicar o livro de forma
independente, via Catarse, por isso acabei limitando meus convites. De
início, convidei 18 pessoas e apenas uma disse que não poderia. Depois, o
Marcos DeBrito acabou se juntando ao projeto. Mas uma editora aqui do
Rio de Janeiro, a Autografia, resolveu encampar a ideia e publicar o
livro, com pagamento de direitos autorais etc. Se eu soubesse que
haveria uma editora envolvida, eu provavelmente teria chamado mais
autores para integrar o projeto.
César Bravo
Nascido em 1977, em Monte Alto, São Paulo, foi apenas recentemente que
Cesar Bravo deu voz à sua relação visceral com a literatura. Durante sua
vida, já teve diversos empregos — ocupando cargos na indústria da
música, na construção civil e no varejo. É farmacêutico de formação.
Bravo publicou suas primeiras obras de forma independente, e em pouco
tempo ganhou reconhecimento dos leitores e da imprensa especializada. É
autor e coautor de contos, romances, enredos, roteiros e blogs.
Transitando por diferentes estilos, possui uma escrita afiada, que
ilumina os becos mais escuros da psique humana. Suas linhas, recheadas
de suspense, exploram o bem e o mal em suas formas mais intensas, se
tornando verdadeiros atalhos para os piores pesadelos humanos.
1 - Como foi o seu primeiro contato com a literatura? E por que terror?
R: Comecei a ler bem cedo. No início, eu lia as
enciclopédias que tínhamos em nossa casa, isso foi bem antes da
internet, ok? (risos). As primeiras ficções vieram mais tarde, por volta
dos dez anos. Lembro que eu lia literatura infantil, gibis, e alguma
coisa do Paulo Coelho.
Quanto ao terror, o gênero sempre me fascinou. Vejo
beleza onde muitas pessoas enxergam pesadelos terríveis. Monstros,
paisagens cinzentas, o obscurantismo sempre me chamou atenção. Creio que
o terror seja nossa chance de experimentar as piores situações
possíveis em segurança, o terror nos fortalece.
2 - Por que acha que as pessoas deveriam ler o seu livro? Qual o diferencial?
R: Em literatura de terror, o principal diferencial é a
verdade de cada autor. Eu fiz um livro sincero, um pouco agressivo,
concordo, mas com uma trama bastante original. Tentei alcançar uma
mitologia interessante, tornar a leitura fluida e trazer à tona algum
debate sobre a miséria humana. Espero ter conseguido...
3 - Nos dias de hoje, principalmente no cenário do terror/horror, publicar um livro não é tarefa fácil. O mercado em expansão é o estrangeiro e não há muito espaço para produções nacionais. Qual a maior dificuldade que você encontra ou encontrou nessa questão? E qual dica você dá a quem está começando a escrever.
R: Pelo que tenho visto, o mercado nacional começou a reagir
há alguns anos, espero ter mais novidades em breve; o que eu sei é
novos autores finalmente estão surgindo. Fácil não é, de jeito nenhum,
mas eu sou uma das provas de que não é impossível. A maior dificuldade é
o passo inicial: oferecer um material que possa ser lido, apreciado e,
se possível, recomendado pelos leitores. Para isso é preciso se
especializar com material técnico, escrever muito, ler o dobro, e usar
quaisquer meios disponíveis para apresentar seu trabalho com qualidade.
Eu já publiquei em antologias impressas, internet, sempre procurei estar
disponível para leitores, blogueiros e jornalistas. São essas pessoas
que fazem seu livro ir em frente e não o “senhor autor”.
Minhas dicas são persistência, dedicação e resiliência. O
autor que almeja algum reconhecimento precisa estar pronto para ouvir o
que não quer e tirar lições proveitosas de cada frase. Crescimento é
fundamental.
4 - Seus personagens são bem construídos. Você se identifica com algum deles? Se sim, em quais aspectos?
R: Identificação é uma palavra perigosa se tratando dos meus
personagens. Eu diria que nós temos alguns defeitos em comum. O medo do
futuro, do dia de amanhã, é um exemplo. Também já senti na pele a
sensação de abandono e desesperança que toma alguns deles. Meus
personagens, em sua maioria, não têm uma relação direta comigo, eles são
únicos, com seus próprios defeitos e qualidades. Tal distanciamento é
importante quando se escreve ficção.
5 - O que mais atrai você quando procura ler algum livro?
R: Os personagens e a narrativa. Gosto de leituras rápidas,
algum humor e sarcasmo, diálogos críveis. Também procuro enxergar o ser
humano por trás daquela obra. Um texto me pega com mais facilidade
quando conheço o autor, pelo menos superficialmente. Tive uma ótima
surpresa quando comecei a ler Joe Hill, na época eu sabia que ele era
filho do Stephen King, mas seus livros me surpreenderam por seus
próprios méritos, fazia muito tempo que eu não me interessava tanto por
um novo autor.
6 - Sobre o seu livro, Ultra Carnem, nos conte um pouco sobre ele, criação, sinopse...
R: Ultra Carnem ao pé da letra significa “Muito Além da
Carne”. O romance é uma expansão do universo idealizado em meu livro
“Além da Carne” — uma coletânea de contos, disponibilizada na Amazon. Em
Ultra Carnem, o leitor deve se preparar para o horror puro, precisa
estar pronto para ficar chocado muitas vezes. Pactos diabólicos,
sofrimento e desamparo dividem espaço entre as páginas. O livro é uma
experiência de horror legítima.
Minha principal motivação com essa obra foi resgatar o
horror mais visceral e inseri-lo no Brasil, de uma forma que o texto
pudesse se comunicar com os leitores daqui. Felizmente a Caveira
(Editora DarkSide) tinha esse mesmo desejo. O resultado de toda essa
ansiedade e apetite é Ultra Carnem, que nasceu com a proposta de inovar
no horror do Brasil e saciar os fãs mais ardorosos do gênero.
Bem, aproveito para me despedir por aqui e agradecer pelo
imenso carinho que tenho recebido de todos. Foi um prazer responder a
essas perguntas e passar um tempinho com vocês. Fiquem bem, voem alto, e
nem pensem em olhar para o chão!
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