Entrevista com os escritores de Terror Nacional: Aislan Coulter e Marcos DeBrito!

 A equipe do THS realizou mais uma entrevista com escritores da literatura nacional do gênero terror, horror e suspense. Dessa vez trazemos duas entrevistas em apenas um artigo com os autores: Aislan Coulter e Marcos DeBrito.


Aislan Coulter:

 

Aislan Coulter é graduado Letras, Pedagogia e pós- graduando em Produção Textual em Língua Portuguesa. É autor dos livros O Cordel de Sangue e Twittando com o Vampiro. Membro da comunidade literária Mal do Horror e um dos autores da antologia do Congresso Nacional de Escrita Criativa.

1 - Como foi o seu primeiro contato com a literatura? E por que terror?


R: Meu primeiro contato com a literatura foi na infância. A estante de livros do meu avô, um britânico veterano da Primeira Guerra Mundial. Não cheguei a conhecê-lo, conheci apenas os seus livros. Eu e o meu irmão crescemos embaixo daquela estante e isso foi fantástico. Por que o terror? Eu fui predestinado. Numa tarde de inverno, eu e o meu irmão brincávamos embaixo da estante, quando um brinquedo caiu lá atrás e eu me esforcei para pegá-lo. Notei que havia algo preso entre a estante e a parede e trouxe aquilo para fora. Era um livro empoeirado, estava conservado apesar do tempo. Era a versão de bolso de O Exorcista. Foi a primeira vez que segurei um livro de horror nas mãos. Aquilo foi realmente impactante. Um tempo depois, fui ao correio com a minha mãe e em um daqueles catálogos da Ediouro que ficava em cima do balcão me deparei com Drácula de Bram Stocker. Foi o meu primeiro livro. Isso em meados de 91 (eu tinha apenas onze anos). No ano seguinte, minha mãe começou a trabalhar em uma biblioteca e eu sempre a acompanhava. Uma noite, antes do fechamento do expediente, o inspetor de aluno se aproximou da mesa em que eu estava e disse: “Você gosta de ler, não é, garoto? Você ainda não tem idade, mas quando tiver leia isso aqui” e jogou um exemplar de O iluminado do Stephen King sobre a mesa. Eu nunca me esqueci daquela noite. 

2 - Por que acha que as pessoas deveriam ler o seu livro? Qual o diferencial?


R: Todas as histórias já foram contadas. O diferencial de uma história está na narrativa. A história não é somente o que você tem a dizer, mas como você o diz. Originalidade é a junção de conteúdo e forma, a escolha distinta de temas com uma forma única de moldar a narração. Tudo acontece dentro de estruturas arquetípicas e estereotipadas. Meu livro é sobre vampiros. E o segredo de uma boa narrativa sobre vampiros são as características estereotipadas e eu as preservei. Os caixões, a amada imortal, os caçadores de vampiros, as réstias de alho, os crucifixos estão lá. Se você gosta de livros de vampiros, vampiros clássicos, com muito sangue, muito sangue mesmo, fantasmas, bruxaria e cabeças pendendo das omoplatas fica a dica: Twittando com o Vampiro.

3 - Nos dias de hoje, principalmente no cenário do terror/horror, publicar um livro não é tarefa fácil. O mercado em expansão é o estrangeiro e não há muito espaço para produções nacionais. Qual a maior dificuldade que você encontra ou encontrou nessa questão? E qual dica você da a quem está começando a escrever.

R: A maior dificuldade é encontrar leitores. Formar o seu público leitor não é tarefa fácil. E se você for um autor independente isso pode ser mais difícil ainda. A única coisa que você deve realmente se preocupar é em garantir um livro bem escrito. Se você quer realmente escrever um livro, entenda que a escrita é uma arte e o fato de você ter sido o melhor aluno de português do colegial ou ter se graduado em Letras não te transforma em um escritor. A escola não forma escritores. Temos aulas de arte no colégio e ninguém sai de lá pintor ou escultor. É preciso aperfeiçoamento, técnica e prática. Muita prática. Se você sonhasse em compor uma sinfonia, você diria “puxa... estudei piano na adolescência e toquei guitarra como ninguém... ouvi um bocado de música... bom, acho que vou compor uma sinfonia para a filarmônica amanhã?” É óbvio que não. Mas infelizmente é o que acontece com muitos escritores iniciantes. Se você quer se tornar um escritor profissional, leia o máximo que puder. Leia como escritor, com caneta e papel na mão, anotando tudo. Estabeleça uma rotina de escrita e crie metas diárias. Outro erro é achar que não precisa estudar gramática “ah, tem o revisor, o preparador, depois que o meu livro for aprovado eles se viram”. Os revisores e preparadores estão lá para melhorar aquilo que já está ótimo. Não estou dizendo que você precisa afundar a cabeça no Napoleão Mendes de Almeida. Não é isso. Um escritor não precisa saber a definição de um verbo defectivo ou o que é um síndeto. Mas precisa conhecer a gramática de forma usual. Afinal, você vai precisar dela. Na jornada da escrita seu objetivo é se tornar o que os editores chamam de “escritor pronto” e é óbvio que isso não engloba apenas a gramática, a gramática é a pontinha do Iceberg.

4 - Seus personagens são bem construídos. Você se identifica com algum deles? Se sim, em quais aspectos?

R: Os personagens são âncoras emocionais para os leitores. Os melhores personagens são aqueles com os quais nos conectamos, pelos quais torcemos frente às adversidades e sofremos com eles. A empatia é o segredo de tudo. Quando não me identifico com um personagem sei que estou no caminho errado.

5 - O que mais atrai você quando procura ler algum livro?

R: Deixe-me ver... O que mais me atrai... Já fui fisgado de várias maneiras. Quando o assunto é literatura sou um peixe de aquário, fácil de ser apanhando (risos).

6 - Sobre o seu novo livro, Twittando com o Vampiro, nos conte um pouco sobre ele, criação, sinopse...

R: Twittando com o Vampiro é um livro que traz o vampiro clássico numa roupagem moderna. É um livro de horror. Há pitadas de vodu e alguns fantasmas também. A história se desenrola por meio de três narrativas: A morte narrando os ataques do vampiro; as páginas do diário de Aline Brein, uma jovem esquizofrênica que teve sua intimidade exposta na internet; um assassino da Deep Web no Norte do país em busca de uma cruz. O livro traz questões atuais como o crime eletrônico, garotas que perdem sua dignidade em vídeos expostos na internet. Sobre a criação, sou metódico e escrevo todos os dias. Geralmente, termino o primeiro rascunho em três meses. Nesse processo reescrevo umas cinco ou seis vezes. Imprimo o material e reescrevo mais umas duas ou três vezes. Deixo o texto descansar por um tempo. Então, tiro da gaveta e faço a última reescrita.

Marcos DeBrito:

Além de escritor, Marcos DeBrito também é diretor e roteirista de cinema. Iniciou profissionalmente a carreira como cineasta no Festival de Gramado em 2001 e, desde então, vem produzindo trabalhos cada vez mais ousados. Em 2015 lançou seu primeiro longa-metragem, “Condado Macabro”, dirigido em parceria com André de Campos Mello. Este ano, integra a antologia de terror "Histórias Estranhas", com o filme “Apóstolos”.
Na literatura, teve seu livro de estreia publicado em 2012 e foi um dos indicados da editora a concorrer ao Jabuti de melhor romance do ano. Em julho de 2017 foi lançado seu terceiro trabalho, “O Escravo de Capela” pela Faro Editorial.

1 - Como foi o seu primeiro contato com a literatura? E por que terror?

R: Do ponto de vista como leitor, não me lembro qual foi o meu primeiro contato. Mas o interesse por um determinado tipo de literatura veio com o livro “Noite na Taverna”, do Álvares de Azevedo. E quando conheci Edgar Allan Poe e os demais representantes do ultrarromantismo, selei meu pacto com eles. Era natural que meu estilo de escrita viesse deles também. Tanto o meu primeiro livro (À Sombra da Lua) como o terceiro (O Escravo de Capela) são visíveis as influências do Mal do Século, porém repaginadas para o público de hoje.
Acho que foi o terror que me escolheu. Por mais estranho que isso possa parecer, ele me desperta um certo tipo de conforto. Desde pequeno o meu imaginário é visitado por fantasmas, criaturas disformes e muita violência. Tive medo por muito tempo de enfrentar essas aparições noturnas e acho que encontrei nas minhas histórias — sejam elas para cinema ou literatura — uma maneira de exorcizá-las.

2- Por que acha que as pessoas deveriam ler o seu livro? Qual o diferencial?

R: Eu gosto de despertar questionamentos internos, não apenas medo. Há relações humanas e familiares no livro muito maiores que um simples terror. Além disso, com “O Escravo de Capela”, eu espero também despertar o interesse de algumas pessoas às fábulas que temos por aqui. Nossa mitologia é vasta e arrepiante. Abraçar nossas lendas é um caminho para valorizarmos mais nossa cultura.  

Sobre o diferencial, acho que todos os escritores carregam sua individualidade para os textos, tornando cada um deles único de alguma maneira, por mais que um tema seja calejado. Meu diferencial é o que carrego de experiências particulares que me formaram como cineasta e escritor. Uma característica marcante nos meus livros é a visualização cinematográfica da cena porque sempre escrevo um texto primeiramente como roteiro para cinema. E tenho um gosto pelas reviravoltas. Costumo trabalhar situações que despistem o leitor/espectador para o verdadeiro final das minhas tramas.

3 -  Nos dias de hoje, principalmente no cenário  do terror/horror, publicar  um livro não  é tarefa fácil. O mercado em expansão é o estrangeiro e não há muito espaço para produções nacionais. Qual a maior dificuldade que você encontra ou encontrou nessa questão? E qual dica você da a quem está começando a escrever.

R: Felizmente o meio literário está sendo bastante amigável comigo. Nunca pensei que seria escritor porque minha formação é em cinema e desde 2001 venho trabalhando nesse ramo. O problema é que na área audiovisual tudo é muito caro, demorado e dependente do Estado. Tenho diversos curtas, mas o meu primeiro longa-metragem só lancei em 2015. E não por falta de tentar outros anteriormente. Mesmo com um filme que foi para os cinemas, ganhou prêmios, foi vendido internacionalmente e hoje está em cartaz na rede Telecine, a dificuldade para fazer um novo é desgastante. Já com os livros, quando terminei o primeiro, enviei para a Rocco e eles publicaram. Isso foi no final de 2012. Agora estamos em 2017 e já estou no meu terceiro romance, com contrato firmado com a Faro Editorial para sair um livro por ano até 2021.

A maior dificuldade, sem dúvida, é encontrar uma casa editorial para os seus trabalhos. Acho que tive sorte de ser aceito pela Rocco logo de início, mas isso não tornou as coisas mais fáceis. Por contrato, “O Escravo de Capela” tinha que ser lido anteriormente por eles. Após analisarem, viram que era muito adulto para o que a casa estava buscando naquele momento. Quando recebi a negativa, obviamente fiquei triste. Afinal, eu era um autor da casa e havia sido indicado por eles ao Jabuti um ano antes. Mas foi a melhor coisa que aconteceu pro livro (e pra mim) porque pude oferecê-lo para a Faro, que abraçou o livro e fez uma edição espetacular. A tiragem deles é bem mais expressiva para os nacionais, dão uma atenção diferenciada aos seus autores, colocam em tudo quanto é livraria, além de já terem se interessado pelos meus futuros projetos. Só troco a Faro agora quando não me quiserem mais, rs.

A dica, portanto, que dou a quem está começando, é a mesma que tomo para mim: nunca desistir, apesar das dificuldades. Esse é um ramo regido pelo subjetivo. Um editor pode ou não gostar da sua obra, e a opinião dele com certeza é diferente da de outro. Onde alguém vê defeitos, outros verão qualidades. Então insista, continue escrevendo, revise milhares de vezes e mande seus originais sem medo.

4 - Seus personagens são bem construídos. Você se identifica com algum deles? Se sim, em quais aspectos?

R: Com todos! rs. Quando escrevemos um personagem extremamente maldoso, estamos acessando nossas vontades mais perversas. O mesmo acontece com o personagem romântico. Eu transito no meu espectro de emoções para dar o tom de personalidade a cada personagem que escrevo. Todos são importantes e todos carregam meus traumas. Alguns mais do que outros. Eu gosto muito do Álvaro, do À Sombra da Lua. Tem algo especial nele, em sua desgraça, que me interessa saber mais de onde a tirei.

5 - O que mais atrai você quando procura ler algum livro?

R: A qualidade da escrita. Sei que o mais importante é uma trama bem desenvolvida, mas eu sou bem chato com questões de ritmo. Mas isso é só pra mim, não uma regra. Pra me prender como leitor, eu preciso sentir uma cadência agradável de palavras, até exagerada. Talvez por isso eu considere “Macário”, do Álvares de Azevedo, o melhor livro já escrito e “O Corvo”, do Edgar Allan Poe, o melhor conto de todos os tempos. 

6 - Sobre o seu novo livro, O Escravo de Capela, nos conte um pouco sobre ele, criação, sinopse…

R: “O Escravo de Capela” é uma evolução no estilo de escrita do meu primeiro livro, o “À Sombra da Lua”. Ele mantém o estilo ultrarromântico bem detalhista, com reviravoltas, relacionamentos conturbados fadados ao fracasso e muita violência... mas desta vez abordei um personagem do nosso folclore para criar uma história de época que, apesar de ser do gênero horror, se encaixaria muito bem como drama histórico.

Ele se passa em um fazenda escravocrata do século XVIII. Além das questões do trabalho forçado, desenvolvo também as relações entre os membros da família do senhor do engenho. Quando o filho caçula retorna de Portugal com ideias abolicionistas (após ter concluído medicina na Universidade de Coimbra), ele e seu irmão mais velho — que é também o truculento capataz da fazenda — começam a discordar da maneira como os negros são tratados. No meio disso, um escravo é assassinado após tentar escapar em uma mula e as madrugadas começam a ficar aterrorizantes quando esse mesmo homem (que teve a perna decepada) volta dos mortos para se vingar dos senhores da fazenda.

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